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Charles Ferreira dos Santos
Acadêmico de Direito


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terça-feira, 6 de maio de 2014

Avaliação a distância - Direito Civil IV - Função social e boa-fé contratual - Adimplemento substancial

Questões propostas pelo Professor Jeferson Puel, na disciplina de Direito Civil IV, avaliação a distância, UnisulVirtual.

Questão 1. Cláudia Castro e Silva era proprietária de uma pequena loja de vestuário. Cansada do negócio e, pretendendo mudar de ramo, decidiu vender a loja, com todas as instalações e estoque. Norma Bomfim aceitou o preço proposto por Cláudia e as demais condições do negócio. O contrato de compra e venda foi concretizado em 15/02/2011. Como Norma não possuía qualquer experiência comercial, entre as obrigações assumidas pela vendedora, constava que prestaria assistência à compradora na nova administração durante os 10 primeiros dias, para que se familiarizasse com a atividade. Em vista disso, a vendedora, após a conclusão do negócio, permaneceu auxiliando a compradora conforme ajustado. Desse modo, manteve contato com fornecedores, apresentou a nova proprietária, recebeu pagamentos, e, assinou pedidos de novas mercadorias para suprir o estoque. Escoado o prazo acertado, Norma assumiu integralmente o negócio. Considerando que havia cumprido a sua obrigação, Cláudia entrou em contato com os fornecedores e cancelou todos os pedidos de mercadorias que havia assinado durante aquele período em que prestou apoio à Norma. Agiu dessa forma pois não desejava ter seu nome vinculado a pedidos de fornecimento de produtos para negócio que já não lhe pertencia. Entretanto, não avisou à compradora que assim o faria. Como conseqüência, as mercadorias não foram entregues e Norma ficou sem estoque para que pudesse dar normal continuidade ao negócio, sofrendo imenso prejuízo. 
 
 Pergunta-se: houve descumprimento de algum dever contratual nesse caso? É cabível ação de indenização contra Cláudia em virtude do prejuízo sofrido por Norma? Em caso afirmativo, trata-se de responsabilidade contratual ou extracontratual? Qual o fundamento para essa responsabilidade? Responda a estas questões na forma de um texto dissertativo, que tenha entre 10 e 30 linhas, com base no conteúdo do livro didático. Caso você faça alguma citação, deverá colocar a referência completa. 
 
 Questão 2. Antonio de Sá adquiriu na empresa “Só Tem Carro Bom” um veículo Fiat Palio, 0 KM, no ano de 2006. O contrato de compra e venda estabelecia cláusula de reserva de domínio e o preço ajustado deveria ser pago em 60 parcelas. Antonio pagou pontualmente 57 parcelas das 60 contratadas. Porém, antes de realizar o pagamento da 58ª parcela, perdeu seu emprego e passou a enfrentar uma séria crise financeira, pois tinha dois filhos e sua esposa também estava desempregada. Em vista dessa situação, Antonio deixou de realizar o pagamento das prestações do carro. A empresa vendedora, após algumas tentativas em obter o pagamento das parcelas em atraso, resolveu, com base no contrato ajustado, ajuizar ação de busca e apreensão do bem, considerando a cláusula de reserva de domínio. Após a retomada do bem, pretendia a empresa rescindir o contrato.

 Pergunta-se: o credor tem direito de reaver o bem? É legítimo, nesse caso, o pedido de resolução do contrato? Responda a estas questões na forma de um texto dissertativo, que tenha entre 10 e 30 linhas. Você pode fundamentar sua resposta com base no conteúdo do livro didático e ilustrá-la com exemplos de julgados que tratem de situações semelhantes. Lembre-se que, em caso de citações, sempre deve colocar a referência.

 1.                   Trata-se o presente caso da venda de uma loja, com instalações, estoque e compromisso de assistência administrativa nos primeiros dez dias. Embora tenha sido cumprido o acordo contratual, atitude da vendedora, posterior à conclusão do negócio, redundou em prejuízo à compradora.

Pertinente o enquadramento de tal situação na chamada função social e boa-fé contratual: os novos princípios contratuais introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código Civil de 2002, e porque não decorrente de ordem geral irradiada pela Constituição Federal de 1988.

Os artigos 421 e 422 do Código Civil fundamentam a nova visão a respeito da relação interesse público versus interesse privado. A dignidade da pessoa humana como norma fundamental da República irá se espraiar por toda a ordem jurídica infraconstitucional.  Assim ocorreu com o Direito Civil, assim se vê expressamente em seus artigos 421 e 422, acima mencionados.

Nesse sentido, Nery Junior e Nery (2011, p.540) enfatizam que
As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social do contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilística.
No caso em foco, ressalta-se o artigo 422 do Código Civil, como norma principiológica, o qual trata da boa-fé objetiva. A responsabilidade dos contratantes se estende pelas fases pré e pós- contratual. A esse respeito, tem-se que a boa-fé objetiva está compreendia entre “as tratativas preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações derivadas do contrato, ainda que já executado”, nas lições de Nery Junior e Nery (2011, p.545).

Diante do exposto, fica claro que houve descumprimento de dever contratual, assim sendo passível de ação indenizatória. A norma transgredida é de ordem pública, portanto, extracontratual, com base na inteligência do artigo 422 do Código Civil.
Referências

Brasil. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <www.planalto.gov.br> . Acesso em: 8 ago. 2013.

Nery Junior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8ª. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.


2.                    A questão trata das possíveis consequências do inadimplemento das três últimas prestações de um total de sessenta. Seria legal a resolução contratual, o qual prevê a reserva de domínio, em face do atraso de tais prestações?
Está-se diante daquilo que a doutrina batizou de adimplemento substancial, figura que emerge da função social do contrato e do princípio de probidade e boa-fé objetiva, conforme Código Civil, artigos 421 e 422.
A hipótese de resolução contratual configura-se como exercício abusivo de direito, pelo fato do cumprimento quase integral das prestações, de forma a limitar a aplicação do artigo 4751, Código Civil (conforme STJ, 4ª Turma, resp. 57789, DJU 12.6.1995).  Também fundamenta a tese do adimplemento substancial, que socorre o devedor inadimplente, e, portanto, contrato não sujeito à resolução, o artigo 1872, Código Civil, o qual deixa claro em seu teor os limites contratuais balizados pelo fim econômico e social e pela boa-fé.
O fio condutor que orienta as relações contratuais está calcado na supremacia do interesse público sobre o privado, de tal sorte que “não há direito absoluto no ordenamento brasileiro”, conforme dizeres de Nery Junior e Nery (2011, p. 398).
Assim sendo, o credor tem cerceado o direito de reaver o bem, sob pena de incorrer em enriquecimento sem causa e abuso de direito, conforme ficou demonstrado, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e nos comandos gerais do Código Civil de 2002, mais especificamente, nos artigos 187, 421 e 422, assim como na limitação da aplicação do artigo 475, CC, em face da nova visão da relação contratual.
Numa pesquisa jurisprudencial, julgados do TJ-SC, constata-se que pelo menos 285 acórdãos a respeito do princípio Adimplemento Substancial. De notar que a função social do contrato está sendo observada pelo Tribunal. Como exemplo, cita-se a Apelação Cível n. 2011.019813-4, Balneário Camboriú, na qual estava de um lado uma empresa imobiliária, e de outro, um consumidor de baixar renda, sendo o objeto de contrato um terreno para construção de casa própria. Das 18 prestações pactuadas, 12 foram adimplidas, e então aconteceu a perda do emprego e, por consequência, o atraso das demais. Restabelecidas as condições financeiras, o devedor depositou judicialmente as prestações atrasadas. Ocasião em que o credor tentou a resolução contratual. Por fim, o julgado foi favorável ao devedor com base no princípio da boa-fé objetiva e na função social do contrato, à luz do adimplemento substancial.
_____________
1. Da Cláusula Resolutiva. Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
2. Dos Atos Ilícitos. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


Referências


Brasil. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <www.planalto.gov.br> . Acesso em: 8 ago. 2013.

Brasil. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Jurisprudência. Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso em:11 ago. 2013.

Nery Junior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8ª. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

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