Questão 1.
Cláudia Castro e Silva era proprietária de uma pequena loja de
vestuário. Cansada do negócio e, pretendendo mudar de ramo, decidiu
vender a loja, com todas as instalações e estoque. Norma Bomfim
aceitou o preço proposto por Cláudia e as demais condições do
negócio. O contrato de compra e venda foi concretizado em
15/02/2011. Como Norma não possuía qualquer experiência comercial,
entre as obrigações assumidas pela vendedora, constava que
prestaria assistência à compradora na nova administração durante
os 10 primeiros dias, para que se familiarizasse com a atividade. Em
vista disso, a vendedora, após a conclusão do negócio, permaneceu
auxiliando a compradora conforme ajustado. Desse modo, manteve
contato com fornecedores, apresentou a nova proprietária, recebeu
pagamentos, e, assinou pedidos de novas mercadorias para suprir o
estoque. Escoado o prazo acertado, Norma assumiu integralmente o
negócio. Considerando que havia cumprido a sua obrigação, Cláudia
entrou em contato com os fornecedores e cancelou todos os pedidos de
mercadorias que havia assinado durante aquele período em que prestou
apoio à Norma. Agiu dessa forma pois não desejava ter seu nome
vinculado a pedidos de fornecimento de produtos para negócio que já
não lhe pertencia. Entretanto, não avisou à compradora que assim o
faria. Como conseqüência, as mercadorias não foram entregues e
Norma ficou sem estoque para que pudesse dar normal continuidade ao
negócio, sofrendo imenso prejuízo.
Pergunta-se:
houve descumprimento de algum dever contratual nesse caso? É cabível
ação de indenização contra Cláudia em virtude do prejuízo
sofrido por Norma? Em caso afirmativo, trata-se de responsabilidade
contratual ou extracontratual? Qual o fundamento para essa
responsabilidade? Responda a estas questões na forma de um texto
dissertativo, que tenha entre 10 e 30 linhas, com base no conteúdo
do livro didático. Caso você faça alguma citação, deverá
colocar a referência completa.
Questão 2.
Antonio de Sá adquiriu na empresa “Só Tem Carro Bom” um veículo
Fiat Palio, 0 KM, no ano de 2006. O contrato de compra e venda
estabelecia cláusula de reserva de domínio e o preço ajustado
deveria ser pago em 60 parcelas. Antonio pagou pontualmente 57
parcelas das 60 contratadas. Porém, antes de realizar o pagamento da
58ª parcela, perdeu seu emprego e passou a enfrentar uma séria
crise financeira, pois tinha dois filhos e sua esposa também estava
desempregada. Em vista dessa situação, Antonio deixou de realizar o
pagamento das prestações do carro. A empresa vendedora, após
algumas tentativas em obter o pagamento das parcelas em atraso,
resolveu, com base no contrato ajustado, ajuizar ação de busca e
apreensão do bem, considerando a cláusula de reserva de domínio.
Após a retomada do bem, pretendia a empresa rescindir o contrato.
Pergunta-se:
o credor tem direito de reaver o bem? É legítimo, nesse caso, o
pedido de resolução do contrato? Responda
a estas questões na forma de um texto dissertativo, que tenha entre
10 e 30 linhas. Você pode fundamentar sua resposta com base no
conteúdo do livro didático e ilustrá-la com
exemplos de julgados que tratem de situações semelhantes. Lembre-se
que, em caso de citações, sempre deve colocar a referência.
1.
Trata-se
o presente caso da venda de uma loja, com instalações, estoque e
compromisso de assistência administrativa nos primeiros dez dias.
Embora tenha sido cumprido o acordo contratual, atitude da vendedora,
posterior à conclusão do negócio, redundou em prejuízo à
compradora.
Pertinente o enquadramento de tal
situação na chamada função social e boa-fé contratual: os novos
princípios contratuais introduzidos no ordenamento jurídico
brasileiro pelo Código Civil de 2002, e porque não decorrente de
ordem geral irradiada pela Constituição Federal de 1988.
Os artigos 421 e 422 do Código Civil
fundamentam a nova visão a respeito da relação interesse público
versus interesse privado. A dignidade da pessoa humana como
norma fundamental da República irá se espraiar por toda a ordem
jurídica infraconstitucional. Assim ocorreu com o Direito
Civil, assim se vê expressamente em seus artigos 421 e 422, acima
mencionados.
Nesse sentido, Nery Junior e Nery
(2011, p.540) enfatizam que
As várias vertentes
constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode
conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se
de sua função social. A cláusula geral da função social do
contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilística.
No caso em foco, ressalta-se o artigo
422 do Código Civil, como norma principiológica, o qual trata da
boa-fé objetiva. A responsabilidade dos contratantes se estende
pelas fases pré e pós- contratual. A esse respeito, tem-se que a
boa-fé objetiva está compreendia entre “as tratativas
preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações
derivadas do contrato, ainda que já executado”, nas lições de
Nery Junior e Nery (2011, p.545).
Diante do exposto, fica claro que
houve descumprimento de dever contratual, assim sendo passível de
ação indenizatória. A norma transgredida é de ordem pública,
portanto, extracontratual, com base na inteligência do artigo 422 do
Código Civil.
Referências
Brasil.
Código Civil Brasileiro. Disponível em:
<www.planalto.gov.br> . Acesso em: 8 ago. 2013.
Nery
Junior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil
Comentado. 8ª. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011.
2.
A
questão trata das possíveis consequências do inadimplemento das
três últimas prestações de um total de sessenta. Seria legal a
resolução contratual, o qual prevê a reserva de domínio, em face
do atraso de tais prestações?
Está-se diante daquilo que a doutrina
batizou de adimplemento substancial, figura que emerge da função
social do contrato e do princípio de probidade e boa-fé objetiva,
conforme Código Civil, artigos 421 e 422.
A hipótese de resolução contratual
configura-se como exercício abusivo de direito, pelo fato do
cumprimento quase integral das prestações, de forma a limitar a
aplicação do artigo 4751, Código Civil (conforme STJ,
4ª Turma, resp. 57789, DJU 12.6.1995). Também fundamenta a
tese do adimplemento substancial, que socorre o devedor inadimplente,
e, portanto, contrato não sujeito à resolução, o artigo 1872,
Código Civil, o qual deixa claro em seu teor os limites contratuais
balizados pelo fim econômico e social e pela boa-fé.
O fio condutor que orienta as relações
contratuais está calcado na supremacia do interesse público sobre o
privado, de tal sorte que “não há direito absoluto no ordenamento
brasileiro”, conforme dizeres de Nery Junior e Nery (2011, p. 398).
Assim sendo, o credor tem cerceado o
direito de reaver o bem, sob pena de incorrer em enriquecimento sem
causa e abuso de direito, conforme ficou demonstrado, com base no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e nos
comandos gerais do Código Civil de 2002, mais especificamente, nos
artigos 187, 421 e 422, assim como na limitação da aplicação do
artigo 475, CC, em face da nova visão da relação contratual.
Numa pesquisa jurisprudencial,
julgados do TJ-SC, constata-se que pelo menos 285 acórdãos a
respeito do princípio Adimplemento Substancial. De notar que a
função social do contrato está sendo observada pelo Tribunal. Como
exemplo, cita-se a Apelação Cível n. 2011.019813-4, Balneário
Camboriú, na qual estava de um lado uma empresa imobiliária, e de
outro, um consumidor de baixar renda, sendo o objeto de contrato um
terreno para construção de casa própria. Das 18 prestações
pactuadas, 12 foram adimplidas, e então aconteceu a perda do emprego
e, por consequência, o atraso das demais. Restabelecidas as
condições financeiras, o devedor depositou judicialmente as
prestações atrasadas. Ocasião em que o credor tentou a resolução
contratual. Por fim, o julgado foi favorável ao devedor com base no
princípio da boa-fé objetiva e na função social do contrato, à
luz do adimplemento substancial.
_____________
1. Da
Cláusula Resolutiva. Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera
de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. Art.
475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do
contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em
qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
2. Dos
Atos Ilícitos. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
Referências
Brasil.
Código Civil Brasileiro. Disponível em:
<www.planalto.gov.br> . Acesso em: 8 ago. 2013.
Brasil.
Tribunal
de Justiça de Santa Catarina.
Jurisprudência. Disponível em: www.tjsc.jus.br.
Acesso em:11 ago. 2013.
Nery
Junior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil
Comentado. 8ª. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011.
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