Questões propostas pela Professora Solange Buchele de S. Thiago, na disciplina de Direito Constitucional IV, UnisulVirtual.
Questão
1. Ao disciplinar a atividade econômica do Estado, a
Constituição da República prevê que a lei estabelecerá, entre
outros, o estatuto jurídico da sociedade de economia mista que
explore atividade econômica de produção ou comercialização de
bens, dispondo sobre sua sujeição ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
civis, comerciais, trabalhistas e tributários. São exemplos de
sociedades de economia mista o Banco do Brasil S/A e a Petrobrás
(Petróleo Brasileiro S/A).
Ciente
disto, faça uma pesquisa e elenque, pelo menos, outras três
sociedades de economia mista brasileiras. Em seguida, explique a
personalidade jurídica, a forma de criação, o objeto e o regime
jurídico de das sociedades de economia mista, utilizando para isto
exemplos das sociedades que você elencou como exemplos. Fundamente a
sua resposta em fontes jurídicas (legislação, doutrina e
jurisprudência). Seu texto deve ter entre 15 e 30 linhas.
Questão
2. A partir de denúncia
formulada anonimamente à ouvidoria de um órgão federal,
descobre-se que determinado imóvel rural destinado ao cultivo de
cacau utiliza-se de mão de obra em condições análogas à
escravatura, o que é confirmado após oitiva de testemunhas e
realização de inspeção in
loco por agentes
governamentais. A União pretende desapropriar o imóvel em questão,
para fins de reforma agrária. Nessa hipótese, considerada a
disciplina da matéria na Constituição da República, como tal
desapropriação poderá ocorrer? Fundamente a sua resposta em fontes
jurídicas (legislação, doutrina e jurisprudência). Seu texto deve
ter entre 15 e 30 linhas.
1.
Sociedades de economia mista
1.1
Eletrobras – Centrais Elétricas Brasileiras S.A.
A Eletrobras (assim mesmo sem acento, desde a alteração em sua
marca, em 2010) é uma empresa brasileira de economia mista, cujo
objeto é a geração, transmissão e distribuição de energia
elétrica1.
Um pouco de história. Em 1961, o então Presidente Jânio Quadros
assinou a Lei 3.890-A, a qual autorizava a União a constituir a
Eletrobras, cuja instalação se daria oficialmente em 11 de junho de
1962, já no governo de João Goulart2.
A capacidade instalada da empresa ou holding, já que faz parte de um
sistema composto por 12 subsidiárias, dentre elas metade do capital
da Itaipu Binacional, alcança a produção de 42.333 MW (algo como
35% da capacidade nacional), seus tentáculos se alastram pelo país
afora, partindo, desde a autorização em 2008, para conquistar o
mundo, notadamente, num primeiro momento, a América Latina.
1.1.1
Forma de criação
Segundo Chiavenato, as sociedades de economia mista são dotadas de
personalidade jurídica de direito privado, autorizada a instituição
por lei específica (CF, artigo 37, XIX), para a exploração de
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, “cujas
ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a
entidade da Administração Indireta”. Tal conceito se extrai do
Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 19673.
1.1.2
Personalidade jurídica
Como já visto, as sociedades de economia mista são dotadas de
personalidade jurídica de direito privado, atreladas à esfera da
Administração Federal Indireta. Equivale dizer que seus
funcionários serão submetidos ao regime da CLT.
1.1.3
Regime jurídico
Notório é o conceito da supremacia do interesse público sobre o
privado. Teria uma empresa estatal privilégios que tornariam a
concorrência desleal em relação à atividade privada? As empresas
de economia mista, particularmente, são regidas pelas regras do
direito privado ou do direito público? Eis aí a grande questão.
Segundo Celso Antonio Bandeira de Melo, as empresas estatais, ainda
que possuam personalidade de direito privado, estão sujeitas a
controle público. Mas vejamos.
Se o artigo 173, §1º, II, da Constituição Federal for tomado
isoladamente, daria a entender que as empresas estatais estariam
sujeitas apenas ao regime jurídico das empresas privadas. No
entanto, se a CF for submetida a uma análise sistêmica, percebe-se
que as empresas estatais devem sim ser submetidas ao controle
público, isso fica evidente diante da leitura de seu artigo 37, o
qual determina que a administração pública direta e indireta
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Assim, pode-se depreender dessa análise
que as empresas estatais estão sujeitas a um regime híbrido, ou
seja, sujeitas ao direito privado e ao direito público.
Respondendo à questão inicial, não estariam sendo privilegiadas,
ao contrário, na medida em que devam prestar consta de seus atos,
atender ao interesse público e ainda assim submetidas às regras de
mercado, não teriam a mesma agilidade de uma empresa privada na
tomada de decisões, e este aspecto pode fazer muita diferença na
velocidade em que caminha o universo corporativo.
1.1.4
Objeto
Segundo a CF, artigo 173, “a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei”. Assim está o objeto da Eletrobras, que
é a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica,
perfeitamente alinhado com as determinações constitucionais, haja
vista a importância estratégica da energia.
1.2
Banco da Amazônia S.A.
1.2.1
Forma de criação
Visando o desenvolvimento da Amazônia, ainda em 1950, o Governo
Federal cria o Banco de Crédito da Amazônia S.A. Mas foi em 1970
que a instituição financeira abre seu capital, ficando 51% das
ações ao Tesouro Nacional e o restante ao público em geral.
1.2.2
Personalidade jurídica
Pessoa jurídica de direito privado.
1.2.3
Regime jurídico
Conforme o Estatuto do Banco da Amazônia S.A, em seu artigo 1º,
trata-se de “instituição financeira pública federal, constituída
sob a forma de sociedade anônima aberta, de economia mista, e prazo
de duração indeterminado, regido por este estatuto e pelas
disposições legais que lhe são aplicáveis”. Sujeita ao regime
jurídico de direito privado, mas sujeita ao controle público, ou
seja, deve estar alinhada ao regime jurídico de direito público, no
que couber.
1.2.4
Objeto
O mencionado estatuto traz em seu artigo segundo o objeto sob o qual
a instituição se guiará, qual seja: (1) executar a política do
Governo Federal na Região Amazônica relativa ao crédito para o
desenvolvimento econômico-social, (2) prestar serviços e realizar
todas as operações inerentes à atividade bancária, etc.
1.3
Banco do Nordeste do Brasil S.A.
1.3.1
Forma de criação
O Banco do Nordeste foi criado pela Lei Federal nº 1649, de 19 de
julho de 1952 e organizado sob a forma de sociedade de economia
mista, de capital aberto, sendo que mais de 90% do capital sob o
comando do Governo Federal, com sede na cidade de Fortaleza, Ceará.
1.3.2
Personalidade jurídica
Regime jurídico de direito privado. Mas, como já explanado
anteriormente, sujeito aos ditames de controle público, como por
exemplo, concurso público para provimento de cargos.
1.3.3
Regime jurídico
Sociedade de economia mista, capital aberto, com maioria do capital
sob controle do Governo Federal, sujeita ao regime jurídico de
direito privado, mas sujeita ao controle público, ou seja, deve
estar alinhada ao regime jurídico de direito público, no que
couber.
1.3.4
Objeto
Executor de políticas públicas, segundo consta em seu sítio
institucional.
2.
Desapropriação de imóvel para fins de reforma agrária
2.1
Preâmbulo
A Constituição Federal de 1988 destina o Título VII para tratar da
ordem econômica e financeira, reservando o capítulo III para a
política agrícola e fundiária e da reforma agrária. São esses
comandos específicos – artigos 184 a 191 - que devem pautar
possível ação de desapropriação para fins de reforma agrária,
concatenados, obviamente, com todo o corpo constitucional. Com
efeito, um dos princípios fundamentais da República é a dignidade
da pessoa humana (artigo 1º, III), assim como a garantia de que a
propriedade atenderá a sua função social (artigo 5º, XXIII).
Ora, se a propriedade não atende a função social preconizada pela
Carta Fundamental e tampouco a dignidade de trabalhadores que nela
labutam é respeitada, há que se estabelecer uma sanção.
2.2
Fatos
Sucede que, para o cultivo de cacau em determinado imóvel,
utiliza-se de mão de obra em condições análogas à escravidão,
fato confirmado por testemunhas e por agentes governamentais em
fiscalização na própria propriedade.
2.3
Fundamentos
O imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social estará
sujeito à desapropriação por interesse social, é o que dispõe o
artigo 184, CF. A função social é cumprida quando a propriedade
rural observa as disposições que regulam as relações de trabalho,
quando favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores,
entre outras condições, conforme preceitua o artigo 186 e seus
incisos, CF.
2.4
Ação
Cabe à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, indenizando justamente em títulos da dívida
agrária, resgatáveis em até vinte anos. Tal ação seguirá o rito
sumário, regulamentado por lei complementar para o processo judicial
de desapropriação.
2.5
Doutrina
Conforme discorre a
Advogada da União, Fladja Raiane Soares de Souza,
“conceitua-se a desapropriação como um direito do Estado que se
traduz em procedimento regido pelo Direito
Constitucional-Administrativo, visando à imposição de um
sacrifício total, por justa causa, de determinado direito
patrimonial, particular ou público – respeitada a hierarquia -,
tendo como finalidade a aquisição pelo Poder Público ou de quem,
delegadamente, cumpra o seu papel, por intermédio de indenização
que há de ser prévia e justa, efetuado o pagamento em dinheiro, com
as ressalvas constitucionais expressas”4.
Outro aspecto que merece destaque é o alcance da expressão “justa
indenização”, dentro do instituto de desapropriação. Segundo
Luiz Guilherme Muller Prado, “na desapropriação deve haver o
pagamento do preço justo, sendo este o valor atual, não se
concebendo que o poder público desaproprie por preço vil”.
2.6
Jurisprudência
A Agência Brasil, em seu sítio reporterbrasil.org.br, noticiou, em
18 de dezembro de 2008, que pela primeira vez trabalho escravo leva à
desapropriação. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA levou a cabo desapropriação em Marabá (PA), sob
o argumento de que nela havia prática de trabalho análogo à
escravidão, decisão tomada pela Justiça Federal, após longo
processo contra família tradicional paraense5.
______________
1. Informações
extraídas do portal Eletrobras, em 13 de fevereiro de 2014.
2. Portal Eletrobras,
história.
3. “Art. 5º III -
Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade
jurídica de direito privado, criada por lei (mas a CF diz:
autorizada a instituição por lei específica) para a exploração
de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas
ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a
entidade da Administração Indireta. (Redação
dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)”.
4. Em “Desapropriação:
o momento consumativo e o registro do imóvel expropriado”.
5.
Em “Pela
1ª vez, trabalho escravo leva a desapropriação”, sítio
<http://reporterbrasil.org.br/2008/12/pela-1-vez-trabalho-escravo-leva-a-desapropriacao/>.
Referências
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e
Pública. Série provas e concursos. 2.ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008.
PRADO, Luiz Guilherme Muller. O princípio
da justa indenização na desapropriação. Disponível em:
http://www.pradoadv.com.br/content/listar/?n2=24&n1=7.
Acesso em: 14 fev 2014.
REIS,
Thiago. Pela
primeira vez trabalho escravo leva à desapropriação. Disponível
em:
<http://reporterbrasil.org.br/2008/12/pela-1-vez-trabalho-escravo-leva-a-desapropriacao/>.
Acesso em: 14 fev 2014.
SOUZA,
Fladja Raiane Soares de. Desapropriação:
o momento consumativo e o registro do imóvel expropriado.
Disponível em:
<www.jfrn.gov.br/institucional/biblioteca/doutrina/doutrina223.doc>.
Acesso em: 14 fev 2014.