A violência doméstica e a lei
Charles Ferreira dos Santos
Assim
como o homem é um ser histórico, cujo comportamento está muito afetado pelo
ambiente em que vive, as instituições jurídicas, por sua vez, são também resultados
de processos históricos. Dessa forma, a Constituição da República Federativa do
Brasil, de 1988, reflete o momento em que foi promulgada, assim como o
resultado de avanços conquistados pela sociedade brasileira ao longo de sua
existência.
Tratando
especificamente da defesa e proteção das crianças e dos adolescentes, o seu
artigo 227, caput, determina que é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar a defesa e a proteção integral da criança e do adolescente com
absoluta prioridade. Trata-se, pois, da doutrina da proteção integral.
Dessa forma, sob o ponto de vista legal, estão positivados os fundamentos para
a criação da rede de proteção das crianças e adolescentes.
Com
vistas à instrumentalização desse princípio da Constituição Federal, qual seja,
tornar claro e detalhar os pressupostos do aludido artigo 227, foi sancionada a
Lei Federal número 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA. Diga-se, sancionada após importantes manifestações da
sociedade civil, o que de certa forma faz do ECA uma lei legitimada pelas
bases, pela sociedade organizada, com todo o peso que essa força representa.
Entretanto,
como sabemos, as leis por si só não modificam a sociedade. Em que pese essa
realidade, é importante destacar que após o advento da Constituição de 1988 e
do ECA muito já se andou no resgate da dignidade das crianças e dos
adolescentes. Íngreme é a montanha a ser escalada, mas os primeiros passos já
foram dados.
Com
relação aos direitos desse público, que continuam sendo violados, destacamos os
mais comuns encontrados no seio familiar, a violência intrafamiliar.
A
violência física, de longe, é o desrespeito mais corriqueiro detectado. A
disciplina por meio da agressão física é uma corrente cultural difícil de
romper. O ECA prevê em seu artigo 98 medidas de proteção nas hipóteses de
direitos ameaçados ou violados. O rol das medidas encontra-se
especificado no artigo 101 do mesmo código, que vai desde a responsabilização
dos pais no desenvolvimento sadio da criança e do adolescente até a colocação
em família substituta, em casos extremos. Já o artigo 130 trata particularmente
das hipóteses de maus tratos, opressão ou abuso sexual, situação em que poderá
ocorrer medida cautelar de afastamento do agressor da moradia.
A
violência psicológica também presente na violência intrafamiliar vem
normalmente associada aos maus tratos. Toda violência durante o período de
desenvolvimento do ser humano deixa sequelas, mas a violência psicológica pode
comprometer o equilíbrio emocional por toda a vida.
Novamente
aqui nos deparamos com um conceito duvidoso de educação por parte dos pais ou
responsáveis, pois é dentro da família onde ocorrem os maiores índices de
violência física, emocional ou moral. (VERONESE, 2011, pág. 293). O artigo 130,
do ECA, acima comentado também abarca a hipótese de violência psicológica,
havendo jurisprudência de suspensão do poder familiar. (Tribunal de Justiça do
Estado do Pará, julgado em 12 de abril de 2007).
A
violência sexual e a negligência juntamente com a violência física e
psicológica estão dentre as violações que normalmente ocorrem no seio familiar.
A violência sexual se estende para a família extensa, por conta de avós, tios e
parentes mais próximos. As denúncias ainda são raras, pois acobertadas pela
vergonha em expor um ente familiar.
Há
um nexo assustador entre a violência sofrida e a violência praticada. Diz o
texto em dado momento “[...] Crianças que testemunharam violência estão mais
predispostas a reproduzir, quando adultas, relacionamentos disfuncionais com
suas próprias famílias”. Uma lógica de perpetuação do mal. Crianças que foram
educadas com castigos físicos tendem a educar seus filhos com a mesma moeda,
além de apresentarem baixa autoestima, depressão e ansiedade, tal o efeito
devastador que a violência provoca.
No
tocante à violência contra a mulher, após a Lei 11.340, em vigor desde 22 de
setembro de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, são significativos os
índices de redução da violência contra as mulheres, notadamente os homicídios.
(Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 2011). O mérito da lei está em deixar
claro que existe um problema, a violência contra a mulher, e apontar caminhos
para a denúncia, segurança para a denunciante, e indicativos de que o agressor
será punido. A tal redução só mostra o tamanho da violência. E ainda segundo o
texto, Violência doméstica e suas
diferentes manifestações, “[...] o agressor é, geralmente, um membro de sua
própria família”.
Concluindo,
o mito da família como “sustentáculo emocional do ser humano” à luz do
relatório Violência doméstica e suas diferentes manifestações perde
força. Poucas são as vozes que ousam questionar a família como instituição
intocável. A cultura é mutável; as verdades, relativas; a família,
falível.
Referências Bibliográficas
DAY, Viviam Peres et al. Violência
doméstica e suas diferentes manifestações. Rev. psiquiatr. Rio Grande do
Sul [online]. 2003, vol. 25, suppl. 1, pp. 9-21.
Disponível://www.scielo.br/pdf. Acesso em 12.02.2012.
VERONESE, Josiane Rose
Petry; Silveira, Mayra. Estatudo da criança e do adolescente comentado.
São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
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