Questões propostas pelo professor Alexandre Botelho, em avaliação a distância da disciplina de Direito Processual Penal I, Direito Virtual, Unisul.
"Proposta
da atividade:
Considere o seguinte caso fictício: uma quadrilha
formada por um Deputado Federal, um Deputado Estadual de Santa Catarina, um
contador e um funcionário da Justiça Federal organizam um assalto a uma agência
dos Correios localizada no Município de Palhoça/SC. Em ação, os criminosos,
utilizando armas de fogo de grosso calibre, subtraíram os pertences dos
clientes e os computadores da agência, que pertenciam ao franqueado. Ato
contínuo, mataram o motorista de um táxi com o objetivo de ficar com o veículo
e utilizá-lo na fuga. Os quatro rapidamente entraram no carro e saíram em
desabalada carreira, sendo perseguidos por policiais militares. Quando
perceberam a presença da guarnição, os quadrilheiros disparam vários tiros em
direção à viatura, sendo que um deles matou um dos soldados.
Após intenso tiroteio, o veículo utilizado na
fuga foi alvejado nos pneus, o que causou seu capotamento. Os agentes
criminosos foram encaminhados ao nosocômio para avaliação. Imediatamente após a
liberação médica, foram autuados em flagrante e encaminhados às autoridades
competentes. Após a conclusão do Inquérito Policial, o Ministério Público,
entendendo que ocorreu conexão, denunciou os quatro pelos crimes acima
descritos.
No curso da Ação Penal, ocorreu nova eleição e o
Deputado Federal não se elegeu, perdendo, assim, o cargo. Alguns meses depois,
o Deputado Estadual, que havia sido reeleito, fora cassado por seus pares. Um
ano após a cassação do Deputado, mas ainda no curso da Ação Penal, transitou em
julgado o processo administrativo que demitiu o funcionário público federal.
Levando em consideração o que você já estudou e
aprendeu no curso do Direito, bem como os conhecimentos acerca da competência
adquiridos nesta disciplina, responda aos seguintes questionamentos, referentes
ao caso em questão:
a)
Tipifique todas as infrações penais cometidas pela
quadrilha. (2,0)
b)
A denúncia do Ministério Público foi endereçada a qual
Juízo ou Tribunal? Justifique. (2,0)
c)
Após a perda do cargo do Deputado Federal, ocorreu
mudança no processo, no que diz respeito à Competência? Justifique. (2,0)
d)
Com a cassação do Deputado Estadual, o processo
continuará no mesmo Foro? Justifique. (2,0)
e)
Após a demissão do Funcionário Público, haverá alguma
alteração no que diz respeito à Competência para julgamento do processo?
Justifique. (2,0)".
a) Infrações penais cometidas pela
quadrilha*.
Formação
de quadrilha – Código
Penal, artigo 288 -, reunião de quatro ou mais pessoas, em caráter estável,
visando a prática de delitos. O delito de formação de quadrilha não aparece
estampado no relato; no entanto, o texto já começa mencionando a existência de
uma quadrilha, isso faz supor que é um dado já definido. Obviamente, caso a
quadrilha tenha sido montada para execução apenas desse assalto, isso refutaria
esse crime de formação de quadrilha, algo que o enunciado não deixa claro;
Posse
ilegal de arma de fogo
– Estatuto do Desarmamento, lei 10.826/2003 -, artigo 16; crime absorvido por
outro crime conexo (latrocínio), em grau mais elevado. Assim também ocorre com
a resistência à prisão;
Roubo – Código Penal, artigo 157. Ação dentro da agência de
correios;
Latrocínio – Código Penal, artigo 157, § 3º -, da ação resultou
morte. Morte do taxista para ficar com o veículo. Aumento de pena em face de
concurso de pessoas (artigo 157, § 2º, II) e do emprego de armas (artigo 157, §
2º, I). Trata-se de crime complexo: furto mais violência ou grave ameaça à
pessoa, seguido de morte, redundando em Latrocínio. Além do porte ilegal de
arma e concurso de pessoas;
Homicídio
qualificado – Código
Penal, artigo 121, § 2º, V -, morte do policial para assegurar vantagem de
outro crime, ou seja, assegurar o roubo da agência e do carro do taxista. Dessa
forma, tem-se o agravamento pela conexão. Crime contra à vida, de competência
do júri popular.
b) Competência para julgar
A denúncia do Ministério
Público deverá ser endereçada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo
102, I, b, da Constituição da República Federativa do Brasil1.
Membros do Congresso Nacional, em crimes comuns, serão julgados pelo STF,
segundo aquele dispositivo.
c) Deputado Federal e o foro
privilegiado
Em consonância com as ações diretas de
inconstitucionalidade números 2.797 e 2.860, de 15 de setembro de 2005 (STF), perde
o foro privilegiado ex-ocupante de cargo ou mandato. Dessa forma, o processo em
discussão sofrerá mudança de foro, em consequência da perda do cargo de
Deputado Federal. O foro de destino seria o Tribunal de Justiça estadual, tendo
em conta a prerrogativa do Deputado Estadual, também réu no processo,
decorrente de norma constitucional estadual. Isso não chega a ocorrer, visto se
sobrepor norma constitucional federal, atribuindo ao júri popular a competência
para julgamentos de crimes dolosos contra a vida.
d) Deputado Estadual e o foro
privilegiado
O
Deputado Estadual tem foro privilegiado, previsto na Constituição Estadual, ou
seja, seria julgado pelo Tribunal de Justiça estadual. Sua cassação tornaria
sem efeito a prorrogação de competência em favor do Tribunal de Justiça,
retornando o processo para a primeira instância da justiça estadual, conforme
as já mencionadas ADINs números 2.797 e 2.860 (STF, 15 de setembro de 2005). É
salutar considerar que essa prerrogativa – foro privilegiado – nem chega a se
concretizar no presente caso, em face da existência de conexão com crime de
homicídio qualificado, situação em que o foro recai sobre o Júri Popular,
primeira instância.
e) Demissão de funcionário público
federal altera a competência?
Tendo em
conta que o crime praticado não guarda relação com a função, não há atração da
competência federal para julgar o funcionário federal2, sendo assim,
sua demissão não acarreta mudança de competência processual. Em face da
conexão, os crimes serão julgados pelo júri popular.
_____________
1.
Art. 102. Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar,
originariamente: a) a
ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal; b) nas infrações penais comuns, o
Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o
Procurador-Geral da República;
2. Súmula 147,
Superior Tribunal de Justiça. “Compete à Justiça Federal processar e julgar os
crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”. [Grifado].
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em: 29 abr.
2013.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios; REIS,
Alexandre Cebrian Araújo. LENZA, Pedro (coord.). Direito Processual Penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
* Reposta parcialmente correta. Gabarito do Professor:
"(1) Formação de quadrilha (art. 288 do CP);
(2) Roubo com a causa de aumento de pena do uso de arma e
concurso de duas ou mais pessoas (art. 157, §2º, I e II do CP);
(3) Latrocínio (art. 157, §3º, última parte do CP);
(4) Homicídio qualificado por motivo fútil e para assegurar a
execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (art. 121, § 2º,
II e V do CP)".